Recentemente foi veiculada notícia acerca da remoção de embarcações abandonadas em praias no Município de Mangaratiba/RJ. A ação foi promovida pela Secretaria de Ordem Pública do Município de Mangaratiba no dia 13 de fevereiro de 2023, conforme noticiado pelo jornal “O Dia”[1], e pode servir como exemplo para outros municípios sobre como tratar do tema.

Os aspectos jurídicos que envolvem esse tipo de atuação representam parte do problema que deve ser enfrentado pelo Poder Público ao lidar com bens abandonados por seus proprietários. Sobre essas nuances, lançamos abaixo alguns comentários que merecem a atenção dos leitores e estudiosos sobre o tema.

  • A Administração Pública e o Princípio da Legalidade

Inicialmente, cabe destacar que a Administração Pública deve ter toda sua atuação pautada pelo Princípio da Legalidade, que dita, de maneira simplificada, que o Poder Público só pode atuar dentro do que for previsto em lei. Nesse caso, para remover as embarcações abandonadas em suas praias, o Ente Público do município de Mangaratiba esteve amparado pela Lei Ordinária Municipal nº 838 de 28 de dezembro de 2012.

Essa breve lei traz apenas 3 artigos em seu corpo para tratar da remoção de veículos e embarcações abandonadas nas vias públicas do município. Ela estabelece o que se entende por embarcação e quais são as situações em que se caracteriza o estado de abandono, permitindo a atuação do agente público. Além disso, a lei estabelece o procedimento a ser observado para a remoção e a destinação dos bens removidos, colocando prazo razoável para que o proprietário do bem vá busca-lo no depósito público, antes que o bem seja considerado como sucata e seja encaminhado a leilão público ou equivalente.

A existência dessa previsão legal permite que a Administração Pública atue seguramente e reduza o risco de ser processada por algum proprietário e venha a ser condenada pagar alguma indenização (salvo em casos de ilegalidade vislumbrados na atuação do agente público, como abuso ou desvio de poder, etc.).

  • A competência territorial sobre as praias marítimas

Um ponto que pode despertar a atenção do leitor com relação à lei municipal citada anteriormente é a sobreposição de competências sobre as áreas das praias marítimas.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 20, inciso IV, que as praias marítimas são bens da União. Essa disposição é reforçada pela Lei nº 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

No entanto, Sérgio Sérvulo Cunha[2] aponta que apesar de serem bens da União, as praias encontram-se localizadas nos territórios de municípios, e que por essa razão, os entes municipais teriam autonomia e jurisdição sobre essas áreas para formular suas políticas públicas, apesar do aparente conflito com relação a extensão do seu poder de polícia. Nesse sentido, o autor que assevera que as áreas de praias devem ser tratadas como áreas públicas municipais para fins de regulamentação e tributação, de modo que a reserva dominial da União sirva apenas para salvaguardar a segurança nacional quando eventualmente necessário.

Nesse caso, não há que se falar em conflito de normas, posto que a própria Constituição Federal determina em seus arts. 30 e 182 que os municípios são competentes para legislar sobre assuntos de interesse local e, ainda, executar a política de desenvolvimento urbano para ordenar as funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes (CUNHA, 1992).

Assim, não se vislumbra qualquer vício de inconstitucionalidade na Lei Municipal nº 838 de 2012 promulgada pelo Município de Mangaratiba, pelo menos com relação à competência legislativa e administrativa, ou tampouco na atuação da citada Secretaria Municipal de Ordem Pública. Desse modo, essa situação pode ser colocada como benchmarking por outros entes municipais que estejam enfrentando problemas com embarcações abandonadas nas praias de seus territórios, sendo uma das soluções que pode ser adotada.

[1] O DIA. Ordem Pública de Mangaratiba remove embarcações irregulares abandonadas na praia. Site do Jornal “O Dia”, 13 de fevereiro de 2023.  Disponível em <https://odia.ig.com.br/mangaratiba/2023/02/6575012-ordem-publica-de-mangaratiba-remove-embarcacoes-irregulares-abandonadas-na-praia.html>. Acesso em 16 de fevereiro de 2023.

[2] CUNHA, Sérgio Sérvulo. Município: poder de polícia sobre a zona costeira. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 29, nº 115, pg. 295/300, julho/setembro, 1992. Disponível em <http://www.servulo.com.br/pdf/Municipio.pdf>. Acesso em 17 de fevereiro de 2023.

[3] lei de nº 838 de 2012, que dispõe sobre a retirada de veículos e embarcações abandonados nas vias públicas do município e da outras providências. Disponível em  <Lei_nº_838_2012_Mangaratiba_Lei_Sobre_Remoção_de_Embarcações_Abandonadas>

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